Vital Moreira e PS<br> - faces da mesma moeda

Jorge Cordeiro
A apresentação de Vital Moreira como candidato do PS ao Parlamento Europeu, suportada na valorização da sua qualidade de «independente» é tão falsa quanto a independência do seu trajecto político e posições políticas. Não se trata apenas, nem sobretudo, da assunção do mandato de deputado na legislatura de 1997. Mas sim da mais esclarecedora prova de enfeudamento ao PS, às suas orientações e à sua política que a sua continuada intervenção pública (testemunhada pela mais de uma centena de artigos com que foi sublinhando e subscrevendo a acção governativa ao longo destes últimos quatro anos) inequivocamente confirma.
Da ale­gada in­de­pen­dência...

Vital Moreira, que se preparava para aceitar um convite de um canal de televisão para integrar um painel de comentadores políticos, esgrimiu em 2005 a sua indignação contra a RTP pelo convite dirigido a Marcelo Rebelo de Sousa pelo facto de a «sua qua­li­dade de di­ri­gente par­ti­dário» não assegurar «isenção e im­par­ci­a­li­dade po­lí­tica e de equi­lí­brio no tra­ta­mento das opi­niões po­li­tico-par­ti­dá­rias» (Pú­blico, 25/01/05). Sem se ignorar a natureza do carácter público de televisão, importa sublinhar que, em matéria de isenção e imparcialidade, não é difícil concluir quem, pelas suas opiniões, se revela mais parcial e mais alinhado: se o militante MRS ou o «independente» Vital!
Ainda mal estavam lançadas as eleições de 2005, já Vital Moreira bramia argumentos para defender e suportar o objectivo do PS de uma maioria absoluta. No início de Janeiro (Pú­blico, 04/01/05) defendia que «em termos de es­ta­bi­li­dade po­lí­tica e go­ver­na­tiva, só resta por­tanto a so­lução da mai­oria ab­so­luta. O PS faz bem em co­locá-la como ob­jec­tivo cen­tral do seu em­penho elei­toral». E acrescentava que a frontalidade com que Sócrates a defendia, responsabilizava também os cidadãos. E sentenciava que se lha não derem «não po­derão de­pois exigir-lhes o im­pos­sível». Dias mais tarde (Pú­blico, 01/02/05), dramatizando o objectivo de maioria absoluta, VM pressagiava que «em caso de vi­tória sem mai­oria ab­so­luta, o mais pro­vável é a ins­ta­bi­li­dade go­ver­na­mental, se não mesmo a in­go­ver­na­bi­li­dade» cujo resultado seria «um go­verno frágil e a prazo in­certo, sem van­tagem para nin­guém e com pre­juízo para todos so­bre­tudo para a es­querda».
E ensaiava já (Pú­blico, 01/02/05) a defesa das propostas eleitorais do PS de «con­so­li­dação das fi­nanças pú­blicas, cum­pri­mento do Pacto de Es­ta­bi­li­dade, re­forma da gestão hos­pi­talar e da ad­mi­nis­tração pú­blica em geral». Vital Moreira que, em 2005 não só defendia o referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu como sublinhava que isso constituía um «dos pontos de honra» do PS (Pú­blico, 04/01/05), mudou de posição com a rapidez e destreza com que o rasgar da promessa por parte do PS lhe exigia.
O que seria de esperar, depois do esforçado exercício de glorificação de qualidades que em período pré-eleitoral implicitamente identificava em Sócrates e no PS em contraponto a Santana e ao PSD – «pro­gramas elei­to­rais de­ma­gó­gicos e com­pro­missos in­cum­pridos» (Pú­blico, 18/01/09) da parte destes, em contraste com a «pos­tura as­si­na­la­vel­mente res­pon­sável do PS» - seria que agora, quatro anos passados de promessas não cumpridas pelo Governo, não colaborasse com quem, usando a sua expressão de então, «sa­cri­fica a se­ri­e­dade e a cre­di­bi­li­dade das elei­ções».
E, uma vez mais, agora no limiar das eleições de 2009, ei-lo de volta, a fazer coro com Sócrates e as suas ambições de poder absoluto, escrevendo em tom de ameaça que «bas­tará que nas pró­ximas elei­ções le­gis­la­tivas o par­tido ven­cedor não tenha a mai­oria ab­so­luta para que re­gresse o es­pectro da ins­ta­bi­li­dade go­ver­na­mental» (Pú­blico, 30/12/08).

…ao papel de «grilo fa­lante»
da po­lí­tica de di­reita do Go­verno PS...


Ainda as eleições não tinham assentado, já Vital Moreira do alto da sua independência proclamava «a jus­tiça do ve­re­dicto po­pular» (Pú­blico, 22/02/05) vaticinando então que, face a uma legislatura mais larga em tempo, o «Go­verno tem por isso mais do que tempo para dar conta do re­cado». Iniciava-se assim uma intervenção pública no papel de caixa de ressonância e laboriosa justificação da acção do PS e da sua ofensiva contra direitos e conquistas sociais, que não tendo dado conta do recado, está a dar cabo do País.
Em Março de 2005 exercitava já a defesa, ainda que em nome de critérios gerais e de uma alegada reforma mais vasta, da substituição dos boys do PSD pelos do PS. Lamentava-se VM, «não pa­rece ra­zoável que um novo go­verno (…) se veja cons­tran­gido a con­ti­nuar a tra­ba­lhar com pes­soal di­ri­gente da con­fi­ança pes­soal e po­lí­tica da equipa an­te­rior» (Pú­blico, 01/03/05).
Em nome das privatizações, e em sua defesa, constatava desvanecido que «tem sido pos­sível com­pa­ti­bi­lizar a em­pre­sa­ri­a­li­zação, a pri­va­ti­zação e o mer­cado com a ló­gica do ser­viço pú­blico» (Pú­blico, 08/03/05) e confessava-se aí rendido ao «saldo em geral muito po­si­tivo» que as parcerias público-privadas ou a privatização da PT e da EDP representavam.
No seu papel de «batedor» da acção do Governo, VM preparava já no primeiro mês de Governo PS o terreno contra os chamados interesses corporativos «desde as as­so­ci­a­ções pa­tro­nais aos sin­di­catos» (Pú­blico, 15/03/05) sublinhando a necessidade de proceder «à re­visão das si­tu­a­ções de pri­vi­légio» verberando a sua equiparação a «di­reitos ad­qui­ridos». E advogava, à altura, a defesa do aumento idade da reforma para os trabalhadores da administração pública interrogando-se, e respondendo, «se não se pro­longa a idade da re­forma, au­men­tando os anos de des­conto como é que se re­solve...» (Pú­blico, 28/06/05).
Fazendo coro no ataque em construção dirigido pelo Governo contra os trabalhadores da administração pública, Vital Moreira, numa perigosa aproximação à contestação do direito à greve, anotava no seu Blog­posts (causa-nossa) que «estes tra­ba­lha­dores para além das di­versas van­ta­gens que já têm sobre os do sector pri­vado têm ainda um outro pri­vi­légio: as suas greves não pre­ju­dicam so­mente a en­ti­dade pa­tronal mas sim, e so­bre­tudo, a po­pu­lação em geral» (Pú­blico, 21/06/05). Uma atitude de questionamento de liberdades e direitos que conheceu novos afloramentos quando questionou direitos cívicos dos militares ao interrogar-se se fará «sen­tido que a lei proíba ma­ni­fes­ta­ções mi­li­tares e de­pois sejam con­sen­tidas reu­niões pú­blicas e fora dos quar­téis, que mais não são do que ma­ni­fes­ta­ções, em­bora sem des­file...» (Pú­blico, 20/09/05) ou direitos dos juízes ao afirmar que o «sin­di­cato dos juízes vai fazer greves, o que é bi­zarro para ti­tu­lares de cargos pú­blicos...» (Pú­blico, 27/09/05).
Atento e solícito, VM procedia, com meio ano de mandato decorrido, a um elucidativo exercício de aconselhamento e enaltecimento à acção do Governo. Dizia então: «nem tudo correu pelo me­lhor, o modo como con­du­zirem o ar­ranque do novo ano po­lí­tico é agora de­ci­sivo» (Pú­blico, 06/09/05). E justificava as dificuldades: «a re­sis­tência dos sec­tores pre­ju­di­cados pela perda de pri­vi­lé­gios, o preço do pe­tróleo, a pro­lon­gada seca que ani­quilou boa parte da pro­dução agrí­cola (e nós a pensar que era a política de destruição e abandono da agricultura da política de direita a causa!), a con­jun­tura eco­nó­mica eu­ro­peia». Registando entre os êxitos governativos «o no­tável con­junto de me­didas, tanto no ataque à crise or­ça­mental (leia-se obsessão pelo défice, aumento do IVA e outras políticas restritivas inerentes) como na con­cre­ti­zação de co­ra­josas re­formas na ad­mi­nis­tração pú­blica (leia-se ataque aos direitos dos trabalhadores)», exortava o Governo a prosseguir, desvendando o que por detrás do apoio dado a uma maioria absoluta se escondia, – indo em frente nas sua reformas e prosseguir sem hesitações nas «di­fí­ceis me­didas que tem vindo a tomar» porque «é para isso que servem as mai­o­rias ab­so­lutas» anotando que o «único juízo que o go­verno deve temer é so­mente o daqui a quatro anos».
E no rescaldo da derrota do PS nas autárquicas de Outubro, justificada com os «efeitos co­la­te­rais» da política do Governo, exortava, receoso de alguma hesitação, o PS a assumir esses resultado «como fe­nó­meno na­tural e re­a­firmar que só a con­ti­nu­ação das re­formas po­derá trazer, a prazo, uma in­versão do sen­ti­mento ne­ga­tivo da opi­nião pú­blica» (Pú­blico, 11/10/05).
Um a um, Vital Moreira incentivou, caucionou e justificou cada passo do Governo na ofensiva contra direitos, na destruição de serviços públicos, no ataque à descentralização.
Na segurança social, a par das medidas do Governo na área traduzidas em aumento da idade da reforma ou na desvalorização do valor das pensões, VM enfatizava não ser de mais «apre­ciar a de­ter­mi­nação do ac­tual go­verno para con­jugar a ne­ces­sária dis­ci­plina das fi­nanças pú­blicas com a ina­diável re­forma dos sis­temas de pro­tecção so­cial» (Pú­blico, 15/11/05). E, meses mais tarde, perante os objectivos já conhecidos «an­te­ci­pação da fór­mula de cál­culo apro­vada em 2002, apli­cação de factor de sus­ten­ta­bi­li­dade tendo em conta au­mento da es­pe­rança de vida, de­fi­nição de cri­té­rios ob­jec­tivos na ac­tu­a­li­zação de­sig­na­da­mente in­flação e cres­ci­mento eco­nó­mico...», exultava sobre o «modo como foi pre­pa­rada, anun­ciada e im­ple­men­tada» considerando-a como só podendo ser credora de «aplauso» (Pú­blico, 02/05/06).
Nos primeiros passos do encerramento generalizado dos serviços públicos, verberava a resistência dos «in­te­resses pro­fis­si­o­nais ou lo­ca­listas» face ao que designava de «re­or­de­na­mento da rede es­colar do en­sino bá­sico (…) a re­de­fi­nição dos ser­viços pú­blicos de saúde, bem como de ma­ter­ni­dades e ser­viços de ur­gência» (Pú­blico, 07/02/06).
No ensino, VM adepto do processo de Bolonha, considerado por este como «oca­sião única» (Pú­blico, 10/05/05) para o futuro do ensino superior em Portugal interrogava-se, inquieto com alguma demora, em artigo titulado «É desta?» (Pú­blico, 11/06/06) sobre o andamento da reforma do ensino superior. Pronunciando-se sobre um novo modelo de governo das universidades, avisava sobre indesejáveis «mar­gens de com­pro­missos» apontando a via de «afastar os fun­ci­o­ná­rios da gestão, re­duzir subs­tan­ci­al­mente o peso dos es­tu­dantes, au­mentar a par­ti­ci­pação dos ele­mentos ex­te­ri­ores (talvez a pensar na situação hoje vivida de, a cada instituição, um banqueiro como patrono)», numa linha de pensamento retomada posteriormente em defesa da “universidade-fundação” (Pú­blico, 19/11/06) apresentada como modelo de «di­ver­si­fi­cação e fle­xi­bi­li­zação dos modos de or­ga­ni­zação e gestão do sector pú­blico». E valorizando as «so­bejas provas da mi­nistra da Edu­cação de que não se deixa im­pres­si­onar pela con­tes­tação» avisava que a reforma da educação «até pode render mais votos na po­pu­lação em geral do que os que faz perder entre os pro­fes­sores» (Pú­blico, 04/03/08).
Na saúde, entremeada por genéricas afirmações de devoção ao SNS, foi sempre explícito o apoio ao encerramento dos serviços de saúde sustentado na tese de que «mais vale ter ser­viços mais qua­li­fi­cados a al­guma dis­tância, do que ter maus ser­viços ao pé de casa» (Pú­blico, 22/01/08), mostrando-se rendido a esse «mo­vi­mento de “nova gestão pú­blica” em que se in­sere no­me­a­da­mente a gestão em­pre­sa­rial dos hos­pi­tais (...) bem como a ex­ter­na­li­zação dos meios com­ple­men­tares de di­ag­nós­tico». E mesmo quanto ao seu financiamento, registando ser provável «que o fi­nan­ci­a­mento do sis­tema de saúde por via dos im­postos con­tribua para di­luir a cons­ci­ência da di­mensão dos custos do SNS na opi­nião pú­blica e para ob­nu­bilar a res­pon­sa­bi­li­dade in­di­vi­dual sobre o seu fi­nan­ci­a­mento», VM aproveitava para especular «sobre uma hi­pó­tese de mu­dança de fi­lo­sofia de fi­nan­ci­a­mento do SNS, tor­nando cada um de nós mais di­rec­ta­mente res­pon­sável pelos custos da saúde, trans­fe­rindo do fisco para um se­guro de saúde obri­ga­tório a to­ta­li­dade ou uma parte subs­tan­cial do fi­nan­ci­a­mento da­quela» (Pú­blico, 21/02/06).
Inquieto com eventuais hesitações do Governo em matéria daquilo que denomina de privilégios, Vital, lembrando que «o go­verno atacou com toda a per­ti­nência a maior parte dos re­gimes de saúde es­pe­ciais do sector pú­blico (em­bora sem os ex­tin­guir como de­veria)...», interrogava-se sobre se restaria «um fô­lego adi­ci­onal na via re­for­mista do go­verno» para acabar com a ADSE, indignando-se com o facto de serem «os con­tri­buintes em geral a su­portar as re­ga­lias pri­va­tivas dos fun­ci­o­ná­rios pú­blicos em ma­téria de cui­dados de saúde» (Pú­blico, 03/10/06).
Na justiça, foi lesto a sublinhar ser de «aplaudir em geral» o acordo entre PS e PSD (Público, 12/09/06). Em matéria de descentralização, navegando erraticamente entre afirmações de princípio (que não iludem a sua contribuição para a derrota da criação das regiões administrativas em 1998 de que o seu artigo «Coim­bri­cídio» foi expressão maior) sobre as virtudes da regionalização e os argumentos para justificar as orientações centralistas do governo, Vital exorta a que «a via de­fi­nida no pro­grama do ac­tual Go­verno de­veria me­recer a con­cor­dância de todos que de­sejam ca­mi­nhar com se­gu­rança...» (Pú­blico, 01/05/07). E caucionando a estratégia governamental de adiamento da regionalização e de controlo da políticas regionais via soluções de desconcentração, afirmava, conformado, «trata-se de me­didas vir­tu­osas em si mesmas, ainda que nunca venha a haver des­cen­tra­li­zação re­gi­onal. Na falta dela, ainda mais se jus­ti­fica a des­con­cen­tração re­gi­onal da ad­mi­nis­tração do Es­tado».
Em todos os momentos Vital prestou-se ao papel de reserva de ânimo da acção governativa seja pelas «vitórias» que lhe ia descortinando, seja pelo incentivo ao prosseguimento da sua acção. Dois exemplos entre muitos que poderiam ser adicionados: a recomendação presente no seu blogue em que, perante sinais de quem no PS se manifestava «apre­en­sivo com a re­cente con­tes­tação so­cial do go­verno, como se hou­vesse al­guma sur­presa nisso» se apressava a traçar o rumo futuro afirmando que «mais in­génuo seria, porém, pensar em apa­zi­guar a con­tes­tação re­nun­ci­ando a fazer o que tem de ser feito» (Pú­blico, 17/10/06); a leitura de incentivo à política do Governo que a propósito das eleições intercalares conseguiu fazer do resultado do PS (uma das mais baixas votações de sempre) ao proclamar que «o grande triun­fador da jor­nada po­lí­tica de do­mingo na ca­pital é José Só­crates» (Pú­blico, 17/07/07). E acrescentava: «a meio da le­gis­la­tura (...) Só­crates não po­deria es­perar me­lhor tó­nico».
Prestando-se ao que poucos se prestariam, brandiu a sua indignação contra os que, como o PCP, alertavam para o aumento da pobreza afirmando «in­sistem na de­núncia de au­mento da po­breza entre nós, que ne­nhum in­dício con­firma, antes pelo con­trário» (Pú­blico, 10/06/08). Talvez para aliviar a consciência de quem como ele meses atrás havia justificado «que numa eco­nomia de mer­cado e numa de­mo­cracia li­beral, um go­verno de es­querda não tem de se in­qui­etar com o au­mento dos ricos (…) mas não pode deixar de se in­qui­etar com o au­mento da po­breza, mesmo que re­la­tiva» (Pú­blico, 18/09/07).
Triunfal, expunha em «A ca­minho de 2009» (Pú­blico, 18/09/07) a táctica para a segunda metade do mandato PS, identificando os respectivos objectivos após proclamar que «ne­nhum go­verno pro­cedeu a tantas re­formas em tão pouco tempo». Para ele, olhando para o Governo «não se podia deixar de saudar a adopção da mo­der­ni­zação como a prin­cipal linha da ac­tual mai­oria» pelo que isso traduziria «em termos de res­posta aos pro­blemas do país» (Pú­blico, 26/02/08).
A idolatria de Vital pela obra de destruição governativa tem o seu ponto alto quando, a meio caminho entre o ridículo e a bajulação, exclama que «a têm­pera de um go­verno mede-se pela lu­cidez e pela de­ter­mi­nação no meio das di­fi­cul­dades ines­pe­radas e exó­genas» exor­tando o Go­verno a «manter o rumo, na tem­pes­tade» (Pú­blico, 03/06/08).

…ao fe­de­ra­lista con­victo e ne­o­li­beral as­su­mido

Adepto confesso da chamada Constituição europeia, VM não poupou argumentos para desvalorizar a rejeição ditada pela vitória do Não em França no referendo e para justificar o seu alinhamento com a dita. Na linha do isto ou o caos, prenunciava uma Europa arrastada pelo resultado, a não ser invertido, «para uma crise de con­fi­ança e de de­so­ri­en­tação» con­de­nada «à de­riva sem leme no meio da tem­pes­tade» (Pú­blico, 31/05/05). A lição dos franceses parece tê-lo levado, a exemplo de Sócrates, dando o dito por não dito, a remeter o referendo no nosso país para a terra do nunca. Não fosse o diabo tecê-las tratou de adiantar: «sempre con­si­derei que este tra­tado era es­pe­ci­al­mente in­tra­tável como ob­jecto de re­fe­rendo (...) sendo ver­da­deiro aven­tu­rei­rismo po­lí­tico sub­metê-lo a apro­vação po­pular» (Pú­blico, 17/06/08).
Na defesa e justificação do Tratado de Lisboa não regateou elogio ao que designa como «dignas de aplauso as mu­danças tra­zidas pelo novo tra­tado» (Pú­blico, 23/10/07) adiantando como prova a «cri­ação do mi­nistro dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros e da De­fesa». Rendido ao que designa como a «nova cons­ti­tuição so­cial da UE» apresenta como um dos progressos do novo tratado «num me­lhor com­pro­misso entre a eco­nomia do mer­cado, a con­cor­rência e o mer­cado in­terno, por um lado, e o mo­delo so­cial eu­ropeu, por outro lado» (Pú­blico, 11/12/07). E, já muitos meses antes, desvendando o seu mais profundo pensamento afirmava que «o Banco Cen­tral Eu­ropeu não pode ser o bode ex­pi­a­tório do dé­fice da po­lí­tica eco­nó­mica da UE, a Cons­ti­tuição não pode voltar a ser o cor­deiro sa­cri­fi­cial da falta de rumo ou do des­con­ten­ta­mento po­pular contra as po­lí­tica da UE» (Pú­blico, 12/12/06).
Para remate, nada melhor para atestar o zeloso papel de Vital Moreira na garantia de que a política de direita, os seus objectivos e interesses não sejam perturbados do que reter a sua confessada contestação sobre os méritos da alternância. Escreveu então: «esse ro­ta­ti­vismo entre os dois grandes par­tidos (PS e PSD) tem per­mi­tido um fun­ci­o­na­mento re­gular e re­la­ti­va­mente bem su­ce­dido do nosso sis­tema po­lí­tico. (...) trata-se par­tidos su­fi­ci­en­te­mente di­fe­rentes para fun­ci­o­narem como al­ter­na­tiva um ao outro; por outro lado, são su­fi­ci­en­te­mente pró­ximos para as mu­danças de go­verno se façam sem risco de rup­turas po­lí­ticas im­pre­vi­sí­veis...» (Pú­blico, 22/04/08). É caso para se dizer que se o convite do PSD tivesse chegado mais cedo, Manuela Ferreira Leite poderia já dispor de candidato!


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O pretexto ideológico para acabar com as pensões mínimas

O complemento solidário para idosos (CSI) foi instituído pelo Decreto-Lei 232/2005 de 29 de Dezembro tendo, salvo um artigo, entrado em vigor em 1/1/2006. A partir dessa data até ao momento presente, foram publicados sobre o mesmo tema cerca de uma dúzia de diplomas, sob a forma de Portarias, Decretos-Lei e Regulamentares, cuja exuberância legislativa evidencia uma génese não só demagógica como de clivagem, ou seja, o de retirar benefícios a cerca de um milhão e duzentos mil reformados pobres que beneficiam das pensões mínimas para os redistribuir por pouco mais de uma centena de milhar de reformados tão pobres quanto os anteriores, ou seja, os actuais beneficiários do CSI.